10 meses se passaram e eu nunca tinha sentido vontade de escrever o relato de parto do Lírio. Escrevi coisas ali, outras aqui, mas nunca tinha feito de forma inteira.
Hoje senti e relembrei esse momento. Ver esse bebê solto, indo pro mundo, brincando com irmãos me fez lembrar o quanto nossa vida é um suspiro, o quanto a infância deles é importante e passa rápido demais.

Quando completamos 37 semanas de gestação eu tive uma gripe muito forte, fiquei de cama, me sentia fraca e fiquei uns dois dias de cama mesmo, com calafrios e dores profundas. Chorava de forma inconsolável. Eu estava com saudade de mim, da minha mãe, da minha vó, da minha infância, da pessoa que eu era e nunca mais seria. Eu chorava de forma consciente sabendo que aquele choro era o último choro que libertaria processos profundos que se encaminhavam para o parto. Eu sentia que o Lírio estava pronto para nascer e pedia apenas mais alguns dias pra eu me recuperar da necessidade de chorar e de ficar na cama. Minha mãe foi pra floripa ficar um pouco com a gente, fez comida, brincou com as crianças e eu me recuperei. Agradeço e honro o cuidado dela naquele momento em que eu qieria ser filha e passaria pela terceira vez por esse portal materno do parto.
Ela foi embora e o Lírio nasceu uns dois dias depois.

38 semanas e as contrações começaram de forma leve. Eu agradecia e sentia. Sabia que era o movimento do meu corpo para receber meu bebê. Eu só ficava imaginando pegar e cuidar, acalentar e acariciar aquele corpinho pequeno que logo chegaria. Poderia ser naquele dia, poderia ser na próxima semana ou ainda mais, então procurei relaxar. Dormi no nosso ninho com os outros filhotes pertinho.

De madrugada ainda, senti uma agua escorrendo e pensei “fiz xixi”. Não era uma água abundante (nos outros dois partos a bolsa só estorou no final então não fazia ideia de como era uma bolsa estourar antes do tp – terceiro parto mas sempre é o primeiro), então levantei e fui ao banheiro. Um pouquinho do tampão mucoso que eu já conhecia. Um misto de medo e excitação. Mas ainda achava que era xixi. Voltei pra cama. Mais um cochilo. Mais água escorrendo. Levantei. Lembrei que se fosse líquido amniótico não seria cheiro de xixi, mas algo parecido com esperma ou cloro, lembrando que eu estava gripada há alguns dias, meu nariz não estava em pleno funcionamento e resolvi perguntar pro meu companheiro o que ele achava. Ele, exausto, levantou, cheirou e disse: é xixi.
Ok, acreditei também que eu estava fazendo xixi nas calças, a cada 1 hora mais ou menos. 😅 A manhã foi chegando. Eu tirei pequenos cochilos e levantei com mais água. Agora ela escorria ao poucos mas ainda não achava que era a bolsa. As contrações eram muito leves.
Mandei uma mensagem perto das 8 da manhã pra nossa equipe de parto domiciliar e a Mari, minha amiga maravilhosa e enfermeira da nossa equipe de parto me passou uma forma de checar se era a bolsa que tinha estourado mesmo. Eu fiz a posição sugerida em cima da cama e constatado: era a bolsa!
Bolsa estourada sem trabalho de parto. Isso era novo pra mim (dois partos domiciliares anteriores e lembro sempre que a sensação é de ser sempre o primeiro).

Sentei no sofá e me senti estranha. O que eu deveria fazer? Relaxar. Dormir. Caminhar. Brincar. Chorar. Um misto de ansiedade e insegurança, junto a uma sensação de: vai nascer!

Fiquei andando pela casa meio perdida. Uma sensação de confusão e insegurança. Medo de que o trabalho de parto não engrenasse logo. Medos e medos. Por volta das 10h senti uma primeira contração mais dolorida. Depois das 11 eu comecei a sentir as contrações ritmadas e mandei msg pra minha mãe dizendo que estava entrando em tp e a bolsa tinha estourado.
Lembro de ter falado com a Mari (enfermeira da nossa equipe de parto) por telefone e enquanto falava com ela sentia muitas contrações. As contrações foram ritmando rápido e lembro do Rodrigo ter ligado pra elas. Tentei almoçar, nao conseguia mais, já não sabia mais o que estava fazendo e a dor foi tomando conta. Lembrei de pensar “pqp de novo tudo isso”, e me senti insegura mas ao mesmo tempo conectada com o meu corpo. Eu ja sabia o caminho, já sabia que não tinha pra onde correr e que era eu comigo mesma.

Pensei em tomar banho, agua quentinha para aliviar e quando liguei o chuveiro, a surpresa: não tínhamos agua. A agua da caixa vazou e ficamos sem nada de água. Justo naquele dia. Lírio não queria vir na água. Ele escolheu exatamente esse dia e tinha muito pra me ensinar sobre aceitação e amor.

Frustrada, irritada e cansada fui pra cama. Eu realmente queria água quentinha. Deitei em quatro apoios, apoiada em um monte de travesseiros e fui sentindo meu corpo.

Rodrigo colocou um desenho pras crianças e veio ficar comigo. Eu já estava na fase ativa, com as contrações bem ritmadas e muito doloridas.

Lembro que falei pra ele esquentar água numa panela. Lembro da nossa doula Bia chegando. Veio com uns paninhos quentes, ajudando a aliviar a dor na lombar. Depois lembro da equipe, do olhar amoroso da mari e da Ju com paninhos, água, cuidado e muita amorosidade.

Eu sentia ela auscutando o lirio bem embaixo e sabia que ele já estava bem embaixo mesmo, quase pronto para chegar. Eu senti uma conexão ancestral indescritível. Naquele momento eu lembrei que todos os bebês nasceram assim, desde os tempos mais remotos, com paninhos quentes e mulheres. Senti essa lembrança tomando conta de todas as minhas células.

Eu lembro que vocalizar cada contração era quase um mantra, uma canção que eliminava meus “demônios” da repressão. Eu queria gritar, uivar e dizer ao mundo que era uma fêmea parindo. Ao mesmo tempo eu ja sentia minha garganta doer e dizia que já não aguentava mais e que sentia que não estava conseguindo. Eu sentia que estava conseguindo e tinha medo de estar enganada. Sensações ambíguas.

Eu lembro exatamente do momento que passou pela minha cabeça que eu estava na posição “errada”, pois eu estava deitada, mas era a posição mais confortável naquele momento e eu olhei para todas as meu redor já sabendo que eu estava no expulsivo e faltava pouco. E também sentia medo de uma laceracao, pois no parto do Ravi esse tinha sido meu maior desafio. Eu perguntei pra Ju se precisava mudar de posição, como se eu precisasse da opinião de alguém e ela, perfeitamente, me respondeu: OUVE O TEU CORAÇÃO. Foi lindo. Era só o que eu precisava pq minha mente já estava querendo me dizer sobre o certo e o errado e parto não é mental.

Meu coração dizia que eu queria que o Lírio nascesse logo, que eu queria sentir aquele bebezinho no meu colo, pegar, acariciar e que se rasgasse, ia rasgar, mas que seria necessário e curador como deveria ser. E mesmo com medo, eu queria fazer força e ajudar meu corpo a trazer esse menininho. Fiz força durante a contração, saiu a cabecinha, senti seu cabelinho, sua cabecinha minúscula entre as minhas mãos. Rodrigo se posicionou para recebê-lo. Brigite e Ravi estavam ali. Olhei em volta e me senti tão feliz. Mais uma contração e a deliciosa sensação do corpinho macio chegando nesse mundo. A deliciosa sensação de parir um bebê, de cocriar com a Grande Mãe, de fazer parte desse mistério. A deliciosa sensação de ser portal da vida. A DE-LI-CI-O-SA sensação de parir com respeito e poder sentir prazer no momento mais incrível da minha vida.

Ele nasceu, acolhido pelas mãos do pai e da mãe, vindo direto para o meu colo. E então o momento que vem depois do parto e é tomado por um nível inexplicável de ocitocina. A leveza de pegar um recém nascido e vivenciar a beleza de sentir a delicadeza e a força do universo num único ser.

A placenta nasceu. Linda. Virou shake, tintura, cápsula, carimbo e filtro dos sonhos. Tanta beleza e tanta vida.

Em algum momento do parto, a Clara chegou e eternizou por meio de fotos, cada um dos momentos e eu sou muito grata por ter dito sim para as fotos ❤

São tantos detalhes. Lírio nasceu cheio de vernix, foi tanto amor e tanta potência nesse parto. Mesmo sem água. Mesmo pedindo água quentinha e achando que em algum momento teria uma piscina quentinha, meu escorpiano veio trazendo suas peculiaridades para o meu viver.

Sou tão grata pela equipe maravilhosa que nos acolheu. Pelas nossas doulas. Pelas fotos. Pelo meu companheiro. Pelas crianças fazendo parte.

Meu rezo é unicamente para que mais e mais mulheres sejam respeitadas em seus desejos e sintam que esse momento pode ser um momento de plenitude, prazer e redescoberta das próprias vidas.

Os bebês merecem um tapete vermelho para o momento que eles chegam nesse mundo.

Deixe um comentário